Revisão aborda peculiaridades, tendências e desafios do manejo de formigas cortadeiras

Atendendo ao convite do Conselho Editorial da Pest Management Science, a professora da Entomologia, Terezinha Maria Castro Della Lucia, preparou uma revisão de literatura sobre formigas cortadeiras, como consta no artigo “Managing leaf-cutting ants: peculiarities, trends and challenges”, publicado no mês de janeiro.

O trabalho discorre sobre a organização social e a complexidade das formigas cortadeiras para compreender o seu manejo. Embora esses insetos sejam pragas importantes na América Neotropical, eles também exercem outras funções, colocando assim, uma série de desafios ao seu controle em florestas cultivadas.

As formigas cortadeiras são insetos sociais caracterizados por três particularidades: cuidado parental, divisão reprodutiva do trabalho e sobreposição de gerações que contribuem para o trabalho na colônia. Recentemente, formigas cortadeiras foram consideradas como engenheiras de ecossistema porque modulam, direta e indiretamente, a disponibilidade de recursos para outras espécies. A atividade das formigas cortadeiras modifica as propriedades do solo, melhorando a aeração, drenagem e penetração das raízes, e aumentando a matéria orgânica e a mineralização de nutrientes.

A dispersão secundária de sementes e a melhoria na germinação por manipulação também têm sido associadas à atividade de formigas cortadeiras. Acrescentando-se ainda que suas relações simbióticas levaram a descobertas recentes de antibióticos. Além disso, colônias de formigas cortadeiras são importantes para melhorar o manejo na produção agrícola sustentável.

O artigo aponta outra peculiaridade importante de formigas cortadeiras, que se refere ao fornecimento de folhas frescas para ser usado em jardins cultivados por fungos. Em relação à herbivoria, as cortadeiras estão entre os insetos mais polífagos e vorazes conhecidos. Além disso, elas apresentam um alto nível de higiene nas colônias. A estrutura do ninho de formigas cortadeiras é um reflexo de seus hábitos no cultivo de fungo e na organização social, que às vezes atinge níveis extremamente elevados de complexidade em realizações arquitetônicas.

A complexidade das formigas cortadeiras dificulta o seu manejo. Historicamente, o controle dessa espécie envolve vários métodos que vão desde técnicas domésticas, controle biológico, utilização de produtos químicos obtidos a partir de compostos inorgânicos, compostos clorados antigos (por exemplo, aldrin, clordano e dodecacloro), fumigantes, compostos organosintéticos tradicionais de amplo uso (por exemplo, organofosforados, carbamatos e piretróides) a substâncias mais modernas (por exemplo, sulfluramida e fipronil). Atualmente, as principais tendências para o seu controle se baseiam na manipulação do ambiente de cultivo, controle biológico, inseticidas, repelentes e feromônios.

Contudo, o manejo das formigas cortadeiras deve ser feito quando elas estão reconhecidamente causando prejuízo econômico. Entretanto, esse reconhecimento geralmente é negligenciado, levando ao uso excessivo de iscas inseticidas, que estão sob restrição para uso em florestas cultivadas.

O artigo conclui que alternativas de controle adequado para uso em larga escala são extremamente necessárias. Apesar do esforço considerável que vem sendo empreendido nesse sentido, continuam a ser um desafio a ser conquistado. Estratégias de controle físicas, mecânicas e culturais contra formigas cortadeiras são limitadas e geralmente empregadas em pequenas áreas e com restrição.

O trabalho publicado na Pest Management Science indica que o desenvolvimento de planos de amostragem para formigas cortadeiras e limites econômicos adequados levarão à tomada de decisões consistentes com relação ao controle e vão incentivar a utilização criteriosa de inseticidas. Os autores defendem que tais ações são mais abrangentes do que a atual restrição para uso de inseticidas sintéticos sem alternativas adequadas. Como as alternativas são difíceis e caras de se encontrar, compostos naturais também devem estar sujeitos a exames minuciosos visando à segurança e à saúde do meio ambiente porque origem não é um verdadeiro determinante de toxicidade e risco.

Eficácia de produtos utilizados na cafeicultura orgânica é testada para controle de ácaros

Pesquisadores da Entomologia testaram a eficácia de produtos utilizados na produção de café orgânico para controlar ácaros e avaliaram os efeitos subletais dos produtos sobre inimigos naturais. Na pesquisa conduzida pelo estudante de doutorado, Edmar Souza Tuelher, foram avaliados três produtos no controle do ácaro vermelho do cafeeiro – Oligonychus ilicis e seus efeitos sobre o ácaro predador Iphiseiodes zuluagai. Os produtos testados foram: biofertilizante Supermagro, calda sulfocálcica e calda Viçosa, cujo nome comercial é Viça Café Plus.

Embora os cafeicultores orgânicos no Brasil utilizem uma gama de produtos para controle de pragas, ainda não foi comprovada a eficácia da maioria deles para o controle de ácaros. Também não há informações a respeito dos efeitos subletais desses produtos sobre inimigos naturais.

O artigo “Toxicity of organic-coffee-approved products to the southern red mite Oligonychus ilicis and to its predator Iphiseiodes zuluagai”, publicado na Crop Protection no mês de janeiro, revela que, com base nos bioensaios de concentração letal aguda, para os três produtos analisados, o ácaro predador I. zuluagai foi mais tolerante do que a sua presa, o ácaro herbívoro O. ilicis. Apenas a calda sulfocálcica mostrou efeitos letais agudos em concentrações menores do que as doses recomendadas no campo (20 e 40 ml / L).

Para conduzir o experimento, o ácaro herbívoro e o seu predador foram coletados numa lavoura de café não pulverizada, no Campus da UFV, em Viçosa. Os ácaros foram levados para laboratório, onde a criação foi mantida e foram realizados testes para verificar o efeito letal e subletal dos três produtos. Além dos testes em laboratório, a eficácia dos produtos foi testada em casa de vegetação.

O estudo conclui que a utilização de calda sulfocálcica na produção de café orgânico é uma boa alternativa para prevenir e controlar a infestação do ácaro O. ilicis. O mesmo não se aplica aos outros produtos testados. Embora Supermagro e Viça Café Plus apresentem controle satisfatório das espécies de ácaros-praga em casa de vegetação, nas concentrações testadas, esses produtos têm baixa seletividade. Isso compromete o seu potencial para utilização no manejo de pragas na produção de café orgânico, nas doses atualmente recomendadas para controle de ácaros no campo. No entanto, o Supermagro e Viça Café Plus são importantes produtos que podem ser utilizados para a nutrição do cafeeiro.

Três novas espécies de fungo do gênero Escovopsis são identificadas

Um estudo exploratório identificou três novas espécies de fungo do gênero Escovopsis, parasita do jardim de fungo de formigas cortadeiras do gênero Acromyrmex. Foram identificadas as seguintes espécies: E. lentecrescens, E. microspora e E. moelleri. A pesquisa também fez uma nova descrição do gênero, pois apesar de existir vários estudos sobre esse grupo, até então, apenas duas espécies tinham sido identificadas.

O estudo foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da UFV, dentre eles, o pesquisador visitante Harry Evans, a pós-doutora em Entomologia Juliana de Oliveira Augustin, com a colaboração dos professores da Fitopatologia, Eduardo Seiti Mizubuti e Robert Barreto. Os resultados deste trabalho constam no artigo Yet More “Weeds” in the Garden: Fungal Novelties from Nests of Leaf-Cutting Ants , publicado na PlosOne, no mês de dezembro de 2013.

O estudo parte da simbiose entre as formigas cortadeiras do gênero Acromyrmex e seus jardins de fungos do gênero Leucoagaricus, cultivados como fonte de alimento para as colônias. Os jardins de fungos construídos em câmaras subterrâneas fornecem um habitat estável, com poucos concorrentes. Contudo, a estabilidade dessa relação de mutualismo é constantemente ameaçada por fungos parasitas do gênero Escovopsis.

Diante disso, buscando aprofundar os conhecimentos sobre a interação hospedeiro-parasita, foram analisadas amostras de jardins de fungos, obtidas a partir de ninhos de formiga do gênero Acromyrmex, em um remanescente de Mata Atlântica subtropical, no estado de Minas Gerais.

Utilizando análises morfológicas e moleculares, chegou-se às três novas espécies do fungo e identificou-se, pela primeira vez, um mecanismo de transmissão horizontal através dos resíduos de jardim. O estudo descreve as características morfológicas das espécies, possibilitando o entendimento sobre suas estratégias de exploração dos hospedeiros, bem como a sua dispersão entre eles.

Por ser geograficamente restrita, concentrada em uma região específica, a pesquisa sugere a existência de mais espécies do gênero Escovopsis associados aos ninhos de formigas cortadeiras do gênero Acromyrmex.

Perfil: Ricardo Ribeiro de Castro Solar

O estudante do doutorado em Entomologia, Ricardo Ribeiro de Castro Solar, passou um ano em Lancaster, no Reino Unido, pesquisando sobre biodiversidade e conservação de insetos. Ricardo é integrante da Rede Amazônia Sustentável, um projeto internacional que busca compreender como a atividade humana influencia na biodiversidade da Amazônia Oriental brasileira. Ricardo realizou a coleta de dados no Brasil e a análise foi feita no Lancaster Environment Centre, onde o estudante contou com a orientação do pesquisador Jos Barlow. No Brasil, Ricardo é orientado pelo professor da UFV, José Henrique Schoereder.

Ricardo conta que o tempo que passou no norte da Inglaterra, vivendo outra cultura científica, foi muito enriquecedor para a sua pesquisa. “Os dados foram analisados de forma mais holística” – avalia. Interagindo com um “grupo amplo e coeso”, que reúne pesquisadores de vários táxons, Ricardo afirma que ampliou o seu horizonte de pesquisa. Aumentaram as suas publicações e melhorou a escrita dos artigos. O rigoroso inverno europeu e a inexistência de feriados também favoreceram para que Ricardo se dedicasse integralmente à pesquisa.

Quando retornou ao Brasil, em setembro de 2013, Ricardo sentiu bastante a diferença climática. “Isso foi o mais complicado” – afirma. Ele conta que na Inglaterra, só foi ver uma formiga após sete meses. Imagina o desafio que não foi para ele esse período, já que Ricardo tem como hobby a fotografia de insetos. Pelo visto, em Lancaster, faltou a luz natural ideal para as lentes do fotógrafo e a biodiversidade tropical para a qual Ricardo estava acostumado a direcionar sua objetiva.

A estadia na Inglaterra pode até não ter favorecido a fotografia, mas lá, Ricardo pôde se aperfeiçoar para tirar o máximo proveito das mídias que ele costuma utilizar como aliadas na pesquisa. Além de um curso sobre apresentação de pôsteres, Ricardo, que também é blogueiro, fez um curso sobre utilização de blogs e redes sociais para divulgação científica. No blog Photography and Conservation, Ricardo compartilha as fotos que tira entre uma amostra e outra. Vale a pena acessar e conferir as belas imagens.

Atuando numa das frentes da Rede Amazônia Sustentável, Ricardo estuda, especificamente, o efeito dos diversos sistemas de uso da terra sobre a biodiversidade de formigas, besouros coprófagos e abelhas de orquídeas.  Para coletar os dados da sua pesquisa, ele passou nove meses no estado do Pará. Nesse período, Ricardo morou na cidade de Paragominas. Para ele, viajar pelo seu país também foi um grande aprendizado. “O norte é muito rico culturalmente e é bem diferente do que se vive aqui, por exemplo. Tem palavras no vocabulário que eu não conhecia e hábitos com os quais eu não estava acostumado, como abandonar a cama e dormir numa rede” – descreve.

Na Rede Amazônia Sustentável, Ricardo interage com mais de 100 pesquisadores, que buscam identificar os principais problemas e avaliar as implicações sociais e ecológicas do uso da terra na Amazônia Oriental brasileira. O projeto reúne pesquisadores de 30 instituições nacionais e estrangeiras, como: Lancaster University, University of Cambridge, Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Instrumentação Agropecuária, Museu Paraense Emílio Goeldi, UFV, Universidade Federal de Lavras, entre outras. Saiba mais sobre a Rede Amazônia Sustentável.

Estudo avalia a comunicação química entre cupim hospedeiro e seu inquilino

Buscando compreender como diferentes espécies de cupim habitam o mesmo ninho, um estudo realizado pelo estudante do doutorado em Entomologia, Paulo Fellipe Cristaldo, avaliou a comunicação química entre Constrictotermes cyphergaster (hospedeiro) e Inquilinitermes microcerus (inquilino). A pesquisa analisou a natureza dos feromônios de trilha nas duas espécies e testou o reconhecimento mútuo de uma trilha. Os resultados foram publicados na PlosOne, no dia 21 de janeiro, no artigo intitulado “Mutual use of trail-following chemical cues by a termite host and its inquiline”.

Conhecidos como insetos sociais, os cupins vivem de forma harmônica em ninhos/colônias que constroem a partir da divisão de tarefas. Organismos que não pertencem ao ninho são expulsos pelos soldados. Uma das formas de reconhecer um “intruso” (heteroespecífico) é através de feromônio. Cada organismo tem o seu feromômio, que são substâncias químicas liberadas para reconhecer se outro organismo é ou não da mesma espécie (coespecífico).

Durante a pesquisa, foram realizados ensaios comportamentais para observar a orientação dos operários em coespecíficos versus trilhas dos heteroespecíficos. As amostras de ninhos analisadas foram obtidas próximo da cidade de Sete Lagoas, no estado de Minas Gerais. Ao todo foram coletadas 13 colônias. Parte das análises foi feita em Viçosa, Minas Gerais, e outra parte foi realizada em Praga, na República Checa, onde o trabalho foi finalizado.

O estudo concluiu que os feromônios de trilha podem moldar a coabitação de C. cyphergaster e seu inquilino I. microcerus. Foi testada a possibilidade de utilização do feromônio de trilha do hospedeiro pelo inquilino para evitar contato ou para se orientar. O inverso também foi testado, ou seja, a utilização do feromônio de trilha do inquilino pelo hospedeiro. O estudo indica que o inquilino é capaz de usar sinais químicos do hospedeiro para se proteger, evitando a sua detecção dentro do ninho.  Isso reforça a tese de que o inquilinismo entre as espécies de cupim é baseado em estratégias que evitam conflitos.