Comunidade LGBTQIA+ marca seu espaço no PPG Entomologia

Quando terminou o mestrado na Universidade Federal do Ceará, o pesquisador Mateus Matos saiu em busca de um curso de doutorado que, além de excelência no ensino, lhe oferecesse espaço. “Eu não tenho dúvida da excelência acadêmica de alguns dos cursos no Brasil, mas não é unicamente a nota 7 que conta. Existem outros programas também com notas altas, mas é que eu sabia que aqui eu teria um grupo de apoio.” Há quatro meses doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Entomologia da UFV, Mateus, homem gay, se sente acolhido e respeitado, condições fundamentais, ele garante, para realizar um bom trabalho no Laboratório  de Acarologia, onde estuda ácaros na cultura do café. 

Quem deu a Mateus indicativos de que em Viçosa ele teria a receptividade que procurava foram os próprios colegas, que dividem com ele a busca por este espaço e estão, há anos, contribuindo para que cresça o ambiente de respeito dentro do PPG. “Quando eu vim para o programa, em 2021, eu tinha muito medo, porque é uma área mais voltada para agrárias, e a gente sabe que é marcada pelo conservadorismo. A minha mente virou quando eu cheguei aqui e conheci as pessoas, vi que tinha muita gente que se encontrava em grupos que são minoritários – muitos negros, muitas mulheres, muitos LGBTs – e então eu vi que a gente já tinha representação, o que a gente precisava é dar voz a essa representatividade”, conta o doutorando e representante discente do PPG, Samuel Santos, homem gay. 

“Eu tenho uma relação bem neutra com relação a isso, e acho bom: não é exatamente um sentimento de acolhimento, e nem o contrário. Ninguém nunca me faltou com respeito, e nem me sinto muito associada à minha orientação dentro do programa. Acho que isso não faz muita diferença pras pessoas – ao menos eu nunca presenciei situações que me fizessem achar que faz”,  conta a doutoranda Karenn Santos, mulher bissexual, que está no programa desde 2019. De lá para cá, ela identifica um aumento da diversidade entre os estudantes do programa, e um avanço na postura geral provocado pelas ações dos próprios colegas. “Eu, ao menos no meu laboratório, não tenho e nunca tive que me preocupar em esconder quem eu sou. Vejo um avanço na entomologia como um todo, em eventos, congressos, mas ainda acho que existem muitas barreiras a vencer. As ações de acolhimento ainda partem muito da gente, não dos demais. Vejo que a diversidade, em todas as suas formas, está abrindo caminhos e sei que nós, que começamos essa luta agora, iremos conseguir uma mudança em uma escala maior.” 

A procura por garantir esse espaço reverbera na Sociedade Entomológica do Brasil (SEB), que vem buscando, de forma consciente, aumentar o acolhimento a todos os grupos de pesquisadores. “Como sociedade, a SEB tem que refletir a diversidade de ideias, pessoas, ações e pesquisas para a sociedade brasileira. A diversidade de ideias é motora de inovações, avanços em tecnologias, processos, ciências básicas e aplicadas”, avalia Angelo Pallini, presidente da SEB e orientador do PPG. Como professor, ele defende a necessidade de haver respeito e inclusão. “Se no processo de ensino-aprendizagem o professor e todo o ambiente acadêmico ao redor não for inclusivo, a mágica do ensino não se processa na sua plenitude. O ensinar tem duas vias, aluno aprende com professor e vice-versa. Tem que haver neste ambiente entrega de trabalho árduo, sistematizado, integral, mas sempre com leveza, respeito e reciprocidade de intenções boas de se convergir para a melhoria da sociedade como um todo.”

Grupo de estudantes LGBT forma rede de apoio e cobra iniciativas de toda a comunidade acadêmica

“Aí está a liberdade de ser um profissional completo”, concorda  o mestrando Witallo Sousa, bissexual, e estudante do programa desde 2022. “Desde que cheguei ao PPG consigo ser da forma que eu sou, do jeito que eu sou, sem que isso interfira no meu projeto, no meu trabalho em si. Com certeza, se tenho facilidade para me relacionar socialmente, produzo mais, e isso acaba se refletindo no seu trabalho.”,

Novas batalhas
“Eu fui um grande entusiasta da ideia de fazermos a foto (que ilustra esse texto), porque sei que juntos somos mais fortes, e que essa é uma imagem necessária”, diz Mateus. “Mas é interessante a gente observar que existem alunos que ainda não se sentem confortáveis. Na nossa foto tem onze pessoas, mas existem muito mais do que onze pessoas LGBTs no programa, e a gente sabe disso. Isso mostra que caminhos pessoais e institucionais ainda precisam ser percorridos.”

Samuel também vê os desafios a serem vencidos, especialmente no que diz respeito ao preconceito velado. “Por a gente estar num meio acadêmico, educacional, geralmente a gente não passa por situações de preconceito direto, com falas muito ofensivas. Mas existem falas que são problemáticas. Temos homofobia velada, racismo velado, frutos de uma construção cultural mesmo. Muitas vezes, sem intenção de ofender, a pessoa repete o que construiu na vida dela, na infância, com familiares, e a gente precisa falar sobre isso”, explica o representante, nesta data que marca o Dia do Orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queers, intersexuais, assexuais, pansexuais, não-binárias e todas as demais existências de gêneros e sexualidades). “A gente precisa mostrar que estamos presentes e que nos incomodamos com essas falas para ver se elas param. E só assim a gente vai ter uma plenitude do que é ser um grupo LGBT.”

Fotos: Rodrigo Carvalho Gonçalves

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