Pesquisadores negros firmam seu espaço e são destaque no PPG Entomologia

Vindos de escolas diferentes, cidades distantes, famílias diversas, Dayvson Costa, John Chidi, Samuel Famuyiwa, Eldair da Silva, Weslane Noronha, Douglas Ferreira, Samuel Lima, Lorene Reis, Paulo Rezende e Dinamarta Ferreira têm muito em comum, além da paixão pela entomologia. Negros, formados em escolas públicas do país (com excecção de John e Samuel Famuyiwa, vindos da Nigéria), eles se acostumaram desde cedo a ter que batalhar por seus espaços de direito e convivem com a sensação de terem seu conhecimento científico e seu potencial acadêmico questionados a todo instante, em ambientes ainda dominados por pesquisadores brancos. Nos últimos anos, eles conquistaram suas vagas no Programa de Pós-Graduação em Entomologia e, aos poucos, vão contribuindo para aumentar o potencial e a diversidade do Programa, cuja excelência é reconhecida internacionalmente. 

“Vejo que estamos progredindo, ainda que a passos lentos. Estou há três anos no PPG e este ano, em particular, é o ano que eu vejo mais negros entre os alunos. Quando eu entrei, via pouca representatividade”, conta Douglas, doutorando e coordenador da SEB Jovem, vinculada à Sociedade Entomológica do Brasil. A maior presença, no entanto, não significa mais conforto. “O pesquisador negro, hoje em dia, tem sempre que dar o dobro de si para estar no mesmo patamar do pesquisador branco, esta é a realidade. Para estar no mesmo nível, a gente precisa batalhar o dobro e a sensação que temos é de que não podemos falhar”, diz Douglas. 

Samuel Lima almejava a vaga de doutorando que conquistou no ano passado já há algum tempo, e construiu seu caminho partindo da escola pública, cursada em Juiz de Fora. “Entrei no curso de Ciências Biológicas da UFJF através de política de cotas. Mesmo sendo dedicado, eu não teria nota para a ampla concorrência”, conta. Nos primeiros anos, Samuel encontrou pouco conforto, em um ambiente pouco acolhedor. “Mas pela oportunidade que eu recebi, eu prometi pra mim mesmo que eu ia fazer o máximo daquela experiência. Ao final do curso, era um dos melhores alunos da minha turma e entrei em primeiro lugar no mestrado, em Biodiversidade e Conservação da Natureza, ainda na UFJF.” Essa experiência encorajou Samuel a tentar a vinda para o PPG, e pouco tempo depois, ele não só conquistou a vaga, como foi classificado em segundo lugar. “Douglas ficou em primeiro, e isso é muito representativo, de todas as formas, porque somos negros, somos gays, e esse resultado trouxe um impacto muito forte. Mostrou que a gente pertence a esse lugar e que somos tão capazes quanto outras pessoas de estarmos neste ambiente acadêmico.”

Essas conquistas, na visão dos alunos, é fruto de uma mistura entre as políticas públicas adotadas nos últimos anos e o empoderamento dos próprios estudantes, que passaram a enxergar a possibilidade de estar na academia, e especialmente na pós-graduação, como algo real. “Eu sou o único da minha família a chegar na pós-graduação. Minha graduação foi um processo de descoberta, de entender quem eu era no mundo, e como o mundo trata pessoas como a gente. Muitas vezes as pessoas falam que não sofremos racismo escancarado no Brasil, mas o sistema é estruturado para que a gente não chegue a determinados locais. Então percebi que precisava pegar essa consciência e lutar contra esse sistema”, conta Samuel. 

Weslane veio da Bahia para fazer o mestrado na UFV, e diz que encontrou, no Sudeste do país, um cenário mais desafiador. “Acho que o ambiente aqui é mais agressivo. Há um incômodo em alguns momentos trazido pela fala das pessoas. Em uma palestra recente, a pessoa falava como se fosse privilégio um preto estar onde nós estamos, destacando muito nossa cor, como se a nossa presença não fosse algo natural.”

Acostumado a frequentar seminários e outros eventos científicos pelo país, Douglas diz que ainda sofre com a falta de acolhimento. “Como esse ambiente é majoritariamente branco, quando você chega nos espaços, as pessoas não acham que você é um pesquisador, um cientista. Elas acham que você é o técnico, o auxiliar de alguma coisa… nunca acham que você é quem vai dar a palestra. Muitas vezes a pessoa não faz por mal, mas são microviolências que a gente sofre no nosso dia a dia e que precisamos, quase sempre, aguentar calados.”

Douglas, Lorene, Samuel e Weslane destacam o orgulho de serem parte do grupo de jovens pesquisadores negros da Entomologia

Inspiração
A presença tão restrita de professores e pesquisadores negros destaca ainda mais o papel que os poucos representantes do grupo, mesmo sem saber, têm no desenvolvimento acadêmico dos colegas. “Eu passei a querer ser professor universitário quando tive um professor negro na graduação. Ele se chama Marcos Gervasio Pereira, é o professor que mais publica na minha antiga universidade, a UFRRJ, e é referência na área de solos. Ele me mostrou que é possível um negro chegar num cargo alto, de destaque”, conta Douglas. 

“Eu tive uma professora, Rita, negra, e ela me inspirou muito. Eu via no jeito dela falar, de ela explicar as coisas, que ela gostava de ser professora, e ela era muito empoderada. Foi minha professora de português no Ensino Fundamental. Depois, foram pouquíssimos. No cursinho tive um professor negro, e na UFV eu me lembro de ter tido um, que era substituto, e depois disso, mais ninguém”, conta a doutoranda Lorene. Acostumada a fazer parte de uma minoria no ambiente acadêmico, ela diz que pensou muito antes de decidir pelo uso da política de cotas no processo de seleção. “Eu fiquei preocupada com o depois. Tinha medo da comparação, das notas. Será que eu seria respeitada? Será que iriam me comparar o tempo todo? A gente carrega sempre isso: a impressão de que temos sempre que ser os melhores, e isso é muito pesado.” 

Em todos os casos, um elemento importante para seguir crescendo profissionalmente e produzindo conhecimento parece ser a sensação de pertencimento – tanto no sentido se ser abraçado por professores e orientadores sensíveis ao tema, quanto no encontro com outros estudantes negros. “Eu me sinto lisonjeada de fazer parte deste grupo – de jovens cientistas negros da Entomologia. A gente achava que isso estava muito longe de acontecer, mas agora eu estou aqui podendo participar e fazer com que outras pessoas também se sintam inspiradas. Nós somos muito unidos e sabemos, por mais que o grupo seja pequeno, da responsabilidade e da força que temos”, diz Lorene. 

Mais espaço
“Datas – como o Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo, 20 de novembro – são importantes para a gente não deixar que se esqueçam. É preciso lembrar que existe o racismo, que as condições não são justas, que existem privilégios. É importante fazer esse barulho e buscar a consciência da população”, diz Douglas, reconhecendo os avanços dentro do Programa. “É muito bom que um curso como a Entomologia, que é Capes 7 há anos, tão branco, nos veja, abra espaço para este debate. Foi muito importante pra mim notar que, no processo seletivo que eu fiz, eu e Samuel, que também é negro, ficamos em primeiro e segundo lugar. Quando eu vi, chorei de orgulho, por tudo o que a gente vive.”

Lorene destaca que sempre se sentiu confortável no ambiente da Entomologia, inclusive nos vários estágios que fez antes de chegar ao doutorado, mas chama a atenção para a necessidade de novas perspectivas. “Fico pensando que este ponto (dos desafios para o pesquisador negro) é debatido sempre a partir da gente, não há iniciativa fora do nosso grupo. Os colegas brancos, muitas vezes, não nos deixam desconfortáveis, mas será que, para eles, somente esta questão da cota já basta? Cota é suficiente? O que mais poderíamos fazer? Esse é um ponto importante.”

Fotos: Rodrigo Carvalho Gonçalves

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