Em cargos de liderança, estudantes LGBTQIA+ inspiram e ampliam contribuição com a ciência brasileira

Se há dez ou 20 anos esse era um cenário difícil de imaginar, hoje é realidade. Jovens cientistas representantes da comunidade LGBTQIA+ – que este mês celebra seu orgulho -, ocupam lugar de liderança e são responsáveis por ações e resultados importantes para a entomologia brasileira. 

Douglas Ferreira, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Entomologia, é o coordenador da SEB Jovem e vice-presidente da edição 2024 do Congresso Brasileiro de Entomologia, evento organizado pela Sociedade Entomológica do Brasil. Samuel dos Santos, também doutorando, já foi representante discente do PPG e hoje é um dos líderes da comissão de divulgação do Congresso. A mestranda Larissa Cuesta (na foto acima) acaba de assumir a coordenação do Grupo de Estudos Insectum. E mais: há poucos meses, o programa realizou a sétima edição do Simpósio de Entomologia, evento internacional que reuniu centenas de especialistas em Viçosa. Dos dez membros da comissão principal de organização, quatro eram homens gays. 

Douglas está à frente da SEB Jovem

“A nossa presença nesses lugares é importante porque há muitas pessoas como a gente, mas muitas não têm coragem de expor quem realmente são. Aqui, nesses cargos, a gente consegue influenciar e ‘normalizar’ algo que obviamente já é normal, mas que infelizmente não é visto”, avalia Douglas. A caminhada dele até esse lugar de destaque não foi curta, mas a coragem para se afirmar e seguir produzindo um trabalho de qualidade tem rendido frutos que vão muito além da sua própria realização. “Um momento que me marcou foi quando eu estava dando aula na Entomologia, na disciplina Estágio e Ensino, e um aluno me disse que se sentia muito feliz por ter um professor negro, gay, dando aula para ele, o que era uma novidade. Isso me emocionou muito, me fez lembrar da minha época de graduação, quando eu tive um único professor negro e gay que me despertou a consciência de que eu poderia ir pra esse caminho também, que há espaço pra mim dentro da academia.”

Recém-chegada ao cargo de coordenadora do Insectum, Larissa também sente a responsabilidade de inspirar outras pessoas. “Sei que a minha liderança não causa estranhamento no Insectum, mas ainda me provoca um pouco de insegurança quando eu penso que estou assumindo um dos papéis de frente. Sou eu que represento o grupo em muitas situações, e pensar como as pessoas vão reagir é algo que me causa ainda alguma insegurança,. Mas isso faz eu ter o dobro de cuidado, de responsabilidade, de tato, e em nenhum momento penso em recuar”, conta ela. 

Samuel destaca a oportunidade de contribuir com ciência e outras competências

Além de representatividade e inspiração, a presença destes profissionais em cargos de liderança abre espaço ainda para que não apenas a sua capacidade intelectual, mas outras habilidades possam ser vistas e, o mais importante, incorporadas em alguma medida à rotina da produção científica. “Falo em habilidades artísticas e culturais, sobre a nossa forma de ver as coisas. De uma forma geral, pessoas LGBT têm aspectos culturais, referências e vivências diferenciadas que nos ajudam, por exemplo, a resolver problemas de um jeito diferente, e isso também é uma contribuição”, destaca Samuel. “Ou seja, é muito mais do que abrir espaço para que todos sejam respeitados. É contribuir de forma ampla com a cultura e o modo de fazer ciência.” 

Os frutos dessa “abertura” podem ser sentidos em diversas ações e trabalhos realizados dentro do PPG, com destaque para o Simpósio de Entomologia. “Foi um sucesso total, um ponto fora da curva entre os eventos de entomologia do Brasil, em termos não só científicos, mas visuais e financeiros. E quanto mais sucesso o evento faz, mas a gente alimenta os nossos espaços”, diz Douglas. 

Caminho árduo
Resultados e trabalhos de alta qualidade, porém, não impedem que o grupo ainda sofra preconceitos e encontre barreiras em seu caminho. “Eu vejo que a gente é bem-vindo para dar uma cara nova, atual para o programa, e somos reconhecidos pela nossa criatividade e nossas habilidades. Por outro lado, ainda é difícil mexer em coisas estruturais, ainda há uma força resistente muito pesada”, diz Samuel. Ao mesmo tempo em que agradecem a acolhida de professores que abriram portas e os encorajaram a ocupar seus espaços, o grupo destaca que esse é um caminho trilhado pelos próprios estudantes, com iniciativas diversas tomadas, dia após dia, em busca de novas oportunidades. “Sempre que eu posso, eu tento trazer pessoas que eu sei que são inferiorizadas, desvalorizadas, mas que têm um grande potencial, para trabalhar comigo nestas posições de liderança. Isso não agrada a todo mundo, mas as pessoas acabam tendo de ceder quando veem o resultado do que estamos fazendo.”

“Vejo que nosso programa é bastante acolhedor, mas a comunidade científica, no geral, se assusta um pouco. Mas aí é que está: isso faz com que a gente trabalhe bem e se divulgue mais. Quanto mais a gente trabalha, quanto mais a gente está em destaque, mais a gente ocupa esse espaço aqui, que é nosso”, finaliza Larissa. 

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