Tese desconstrói ameaça de fungo contra formigas atines

A bióloga Marcela Caixeta concluiu no último trimestre de 2020 seu doutorado, pelo Programa de Pós-Graduação em Entomologia, desconstruindo a ideia de que o fungo Escovopsis seja mortal para as formigas que cultivam fungos (conhecidas como atines). Estudos desenvolvidos ao longo dos últimos anos apontavam o gênero como uma ameaça para esses insetos, por sua suposta capacidade de causar danos ao fungo consumido pelas atines. No entanto, após a investigação feita em parceria com a bióloga Débora Mendonça, que cursava o mestrado também pelo PPGEnt, a pesquisadora indica que, apesar de poder causar danos, o micoparasita (fungo que parasita outro fungo) não é capaz de provocar a morte de colônias saudáveis – enquanto subcolônias (geralmente colônias sem rainhas, muito utilizadas em outros estudos que avaliam a virulência de Escovopsis) e jardins de fungos (colônias sem rainhas e sem formigas operárias) estão condenados à morte independente da exposição ou não ao fungo.

“É como se os trabalhos em torno do Escovopsis dessem um passo atrás, talvez mais cauteloso, e nos voltássemos agora à biologia e taxonomia do fungo, revendo as características deste gênero para entender como ele se relaciona com o ambiente”, explica a bióloga. Segundo ela, os estudos em torno deste fungo são recentes, sendo até hoje apenas 14 espécies descritas. “Destas 14, sete foram descritas até 2018, ou seja, as demais todas foram apresentadas nos dois últimos anos por outros grupos de pesquisa. É um universo ainda muito pouco explorado”, diz Marcela, cujo trabalho acerca deste tema se iniciou em 2011, ainda na graduação, com um estágio no Laboratório de Interações Inseto Micro-organismos. “Desde então, trabalhei com o sistema das formigas cortadeiras e fui me encantando principalmente pela interação entre os fungos associados às colônias desses insetos.”

Durante o curso do doutorado, sob orientação do professor Simon Elliot e em parceria com Débora, Marcela investigou a virulência do fungo em diferentes situações, dividindo as colônias de formigas em colônias completas (com rainha, operárias e jardim de fungo), subcolônias (sem rainha) e jardim de fungo, sem a presença da rainha e de nenhuma operária. “Nossos resultados mostraram que subcolônias e jardins de fungos estão condenados à morte independente da exposição ou não aos fungos e, por isso, utilizar apenas partes desse sistema não seria a maneira mais apropriada para se avaliar o impacto causado por esse fungo nas colônias. Escovopsis e Escovopsioides (gênero relacionado a Escovopsis) não foram capazes de causar morte de colônias completas, embora Escovopsis apresente alguns efeitos prejudiciais nas colônias, principalmente nos primeiros dias após a inoculação”, explica Marcela. Com base neste trabalho, a pesquisadora apresentou uma revisão das informações contidas na literatura sobre o micoparasita. “Ao contrário de estudos anteriores, nós propomos que Escovopsis (ou pelo menos algumas espécies) possui baixa virulência em colônias saudáveis de formigas cortadeiras, exigindo uma mudança fundamental na visão atual deste fungo e seus parentes”.

Novas espécies
A contribuição de Marcela também inclui três novas espécies de Escovopsis, duas encontradas em Acromyrmex subterraneus subterraneus e uma em Acromyrmex balzani. A identificação destes novos elementos é fruto de análises moleculares e filogenéticas em amostragens dos jardins de fungo de formigas cortadeiras. “Esses resultados demonstram quão complexa pode ser a rede simbiótica encontrada em formigas atines, com a presença de diferentes espécies de fungos. Eles contribuem para nosso entendimento sobre a diversidade e história evolutiva de Escovopsis“, avalia Marcela, que trabalha agora na apresentação oficial das espécies propostas à comunidade científica.

Fizeram parte da banca de Marcela o professor André Rodrigues, da Unesp, campus Rio Claro, co-orientador do trabalho, a professora Maria Augusta Lima, do PPGEnt, a doutora Camila Moreira, ex-integrante do laboratório, que também participou da pesquisa sobre a virulência do Escovopsis, e o doutor Vinícius Barros, além do orientador, Simon Elliot. “O debate foi muito enriquecedor principalmente pelo fato da banca ter sido composta por pessoas de diferentes áreas. Às vezes, quando ficamos muito tempo investigando um determinado assunto, corremos o risco de ficarmos tão submersos a ponto de não enxergar detalhes que podem se relacionar com o estudo que o tornam ainda mais interessante”, diz Marcela que, por causa da pandemia, defendeu sua tese pelo computador. “Embora nunca tenha imaginado que minha defesa seria de casa, foi muito legal poder ter compartilhado esse momento tão especial com amigos que não vejo há muito tempo e que estão distantes fisicamente.”

Foto: Juliana Augustin

One Comment on “Tese desconstrói ameaça de fungo contra formigas atines

  1. PARABÉNS Marcela Caixeta!

    Orgulho-me do seu desenvolvimento quanto pessoa e pesquisadora que você se tornou e, por se lançar nesse tema tão importantes sobre o habitat das formigas.

    Percebe-se a grandiosidade do estudo para melhor entendimento da importância das formigas para a manutenção do ecossistema.

    Parabéns e mais sucesso nessa sua jornada.

    Abraço, Ednéia de Oliveira Silva Administradora e Licenciada em Química.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *