Fóssil raro de inseto aquático é encontrado no Ceará

Um fóssil de inseto aquático foi encontrado no sul do estado do Ceará por um grupo de pesquisadores brasileiros, incluindo o professor e orientador do Programa de Pós-Graduação em Entomologia da UFV, Frederico Salles. O fóssil é um raro representante da ordem Ephemeroptera, também conhecidos como efêmeras, que são insetos voadores que vivem poucos dias durante sua vida adulta, às vezes até minutos. Durante a sua fase larval, estes insetos vivem nos ambientes aquáticos. A descoberta está descrita em artigo publicado nesta quarta-feira na revista Plos One, assinado por Frederico Salles e pelos pesquisadores Arianny P. Storari (Universidade Federal do Espírito Santo/UFES), Taissa Rodrigues (UFES) e Antônio Álamo F. Saraiva (Universidade Regional do Cariri/URCA). O exemplar foi localizado na unidade geológica Formação Crato, no município de Nova Olinda, pertencente à Bacia do Araripe, por uma equipe de paleontólogos da URCA, como parte da pesquisa de mestrado de Arianny, realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da UFES. Frederico é co-orientador de Arianny, que atualmente cursa o doutorado.   

O fóssil coletado é um inseto adulto que representa, além de uma nova espécie, um novo gênero e também uma nova subfamília, dadas suas peculiaridades. A rocha onde o fóssil foi encontrado é datada do Cretáceo Inferior, entre 113 e 125 milhões de anos atrás, quando a África e América do Sul ainda estavam se separando. O fóssil, que foi incluído na família Oligoneuriidae, foi nomeado Incogemina nubila. Incogemina, em latim, significa geminação incompleta, uma referência ao padrão das veias de suas asas. O termo nubila significa nublado, e foi escolhido em função da coloração acinzentada do calcário em que o fóssil se preservou. “Para nós, pesquisadores que estudamos a sistemática dos organismos, encontrar um fóssil como esse é como encontrar uma peça extremamente importante de um quebra-cabeça”, comemora Frederico. “Além de ser um fóssil raro, ele está muito bem preservado. Em função dessa preservação, nós fomos capazes de avaliar praticamente todas as veias da sua asa, que por serem características relevantes na sistemática dos insetos, nos permitiram inferir as relações dessa espécie com os demais membros da sua família. E claro, quando conseguimos contar melhor a história de uma família, como a Oligoneuriidae nesse caso, isso também nos ajuda a montar o quebra-cabeça sobre a evolução da ordem Ephemeroptera como um todo”.

Trabalhos que resultaram na descoberta do fóssil, na Mina Antônio Finelon, no município de Nova Olinda, foram iniciados em 2018 (Foto: Flaviana Lima)

Os fósseis desta ordem de insetos aquáticos são abundantes na Formação Crato, porém aqueles da família Oligoneuriidae, em particular, são muito raros. Este é apenas o segundo fóssil de um adulto desta família encontrado no mundo, e os pesquisadores constataram que um outro fóssil conhecido e reportado na literatura também representa a espécie Incogemina nubila. “Uma das explicações para a escassez de fósseis deste grupo pode se dar pelo seu hábito de vida. Durante a fase jovem, a maioria das larvas da família Oligoneuriidae vive em ambientes com fluxo d’água corrente. Esse tipo de ambiente não é propício para a preservação de um inseto tão delicado, dado que a correnteza destruiria suas partes mais sensíveis, dificultando a fossilização”, explica a pesquisadora Arianny Storari.

Incogemina nubila foi incluída entre as Oligoneuriidae especialmente em função da distribuição das veias de suas asas, que combina um padrão no qual algumas veias longitudinais tendem a se juntar, como na maioria dos representantes da família (Foto: Frederico Salles)

Portas abertas

A paleontóloga Taissa Rodrigues, orientadora do trabalho de Arianny, destaca o fato de a Incogemina nubila ter sido encontrada em um local conhecido da Bacia do Araripe. “Apesar de outras espécies de efêmeras serem conhecidas para este depósito fossilífero, elas foram coletadas de forma ocasional, e não há nenhuma informação sobre o local do achado. Como conhecemos o local onde a Incogemina nubila foi encontrada, é possível planejar coletas para buscar mais fósseis dessa espécie rara”, adianta. 

O paleontólogo Álamo Saraiva também acredita que a descoberta abrirá portas para significativos avanços em pesquisa. “Agora que a primeira escavação controlada na Formação Crato foi realizada pela equipe do Laboratório de Paleontologia da URCA, certamente novas informações acerca da evolução das efêmeras devem surgir, além de dados sobre o ambiente pretérito da Formação Crato, área de intensa exploração do calcário laminado”, diz. Informações obtidas através da análise desses insetos tão abundantes podem dizer muito sobre o ambiente em que essa paleobiota viveu e até sobre estresses climáticos que eles possam ter experimentado, principalmente suas larvas aquáticas. Hoje em dia, muitos representantes desse grupo são considerados importantes bioindicadores de qualidade da água, já que são sensíveis às variações do meio onde vivem.

Parceria

Os trabalhos que resultaram na descoberta do fóssil na Formação Crato foram iniciados em 2018, quando Arianny ingressou no mestrado, com coorientação do professor Frederico. “Há algum tempo tenho interesse em estudar fósseis de Ephemeroptera. Em 2017, quando fui procurado por Arianny para conversarmos sobre um possível mestrado, eu sugeri que ela procurasse a professora Taissa, especialista em pterossauros, e verificasse a possibilidade de unirmos a vontade da Arianny de estudar insetos, o meu conhecimento em sistemática de Ephemeroptera e o conhecimento da professora Taissa em fósseis. Foi assim que surgiu a nossa parceria”, explica o professor do PPGENT.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *